quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Instinto Selvagem...

"Sai daqui ô suja, cara de coruja, ta me chateando... até parece a peste, qdo vem do leste, logo vem matando... cara de coruja, pescoço de ganso, olho de gamela... ta ouvindo tudo depois diz aos outros que não é com ela! Tem uns lindos dentes que parecem enxadas de arrancar capim... vai ao cemitério arrancar os ossos de algum 'Serafim'... cara de coruja, pescoço de ganso, olho de gamela... tá ouvindo tudo depois diz aos outros que não é com ela!" *


Definitivamente, eu não nasci pra brigar. Não fui feita pra isso. Não mesmo.


Minha mãe diz que quando eu era pequena houve uma época em que ela recebeu um bilhetinho da escola dizendo que eu não sabia me defender, deixando que as outras crianças fizessem de mim “gato e sapato”. Prontamente, meus pais tiveram uma conversa comigo em casa. Um tempo depois, outro bilhetinho: eu estava muito “agressiva”. Óbvio: aos 3 anos estava tendo que lidar com uma coisa que não fazia parte da minha essência.


Com o passar do tempo, alguns acontecimentos fizeram com que eu percebesse que existem alguns sentimentos com os quais não me acostumo... e odeio qdo acabo detectando-os em mim. Raiva e ciúme, por exemplo. E o medo. Mal ou bem, os dois primeiros estão diretamente conectados ao último: esse infinito medo que nos paralisa de vez em quando.


Mas não é sobre medo que vou falar hoje ( isso ja é assunto para o próximo post).


Eu vivi uma situação essa semana que me causou um imenso desconforto.


Tenho convivido diariamente com uma criança que é o ser mais doce que existe na face da terra. Meu afilhado tem 3 anos ( a mesma idade que eu tinha no episódio citado por minha mãe), passamos o dia juntos e, no fim, fomos brincar no parque de uma lanchonete... enquanto eu pedia o lanche, ele veio descendo do brinquedo tranquilamente e, ao olhar de novo , vi um garoto um pouco mais velho batendo nele.


Não sei dizer a ordem do filme que passou pela minha cabeça nesse momento. Em um segundo eu pensei: “ele ta chorando! como assim? onde estão os pais desse outro menino que não estão vendo isso? que absurdo! ”... e ao mesmo tempo em que pensava isso, eu ja estava levantando em direção ao brinquedo, gritando : “Ô! Ô!Ô! Ei! Pára!”. Não pensei duas vezes. Na verdade, simplesmente não pensei. “PORQUE VC BATEU NELE? RESPONDE, PORQUE VOCÊ ESTAVA BATENDO NELE?”, perguntei em “caps lock”, enfática.


Nesse instante o pai do garoto ( que estava sentado bem ao lado do brinquedo vendo toda a situação desde o início) se levantou e começou a discutir comigo. E se eu já tinha virado uma loba defendendo a minha cria, virei um bicho maior ainda depois disso.


Ele falou que isso era coisa de criança e que eu não tinha nada que me meter... me chamou de coisas que eu não ousaria repetir aqui. E das coisas que ele disse, só dou razão a uma delas: eu não podia falar daquele jeito com o filho dele ( não tenho que me meter na educação de ninguém). O que acontece é que ELE mesmo deveria ter levantado dado a bronca merecida no menino. Simples assim.


Eu nunca tinha passado por uma situação semelhante. Fui completamente instintiva!!! E pensando melhor agora, vejo que faria diferente. Discuti em igualdade com ele, entrando na mesma energia... mas saí de lá muito mal, com o choro preso na garganta. E ao chegar em casa, desabei.


Eu tava sentindo tanta raiva... é óbvio que aquele menino não tem culpa de agir daquela forma. De repente ele aprendeu assim. Na escola, em casa... a responsabilidade é dos pais que não dão a educação merecida. Provavelmente, se isso continuar dessa forma, um dia esse garoto esteja espancando adolescentes pelas ruas da cidade. E o pai aplaudirá, achando bonitinho o filho “ ser macho”, e o incentivará com jogos de videogame “educativamente” violentos.


Sobre outro acontecimento mais recente - no qual alguém que não conheço quis me “machucar” - uma pessoa muito importante pra mim disse assim: “Você se deixa abalar demais por essas coisas. Preocupe-se com quem te quer bem.” É isso... esse é o ideal... só que minha sede por justiça, às vezes, fala mais alto.


Descobri que preciso tentar entender minha ligação com a raiva e aprender como lidar com ela, qdo surge. Teoricamente entendo tudo. Sou budista e isso envolve diariamente três princípios: “fé, prática e estudo**”. Estudando aprendi uma coisa muito importante: a todo momento vivemos alegrias e sofrimentos, e em consequência disso todo ser humano tem dentro de si 10 mundos ( também chamados de “10 estados de vida”) nos quais pode escolher viver. Nenhum desses estados existe separado dos outros nove. No mundo real, estamos a percorrê-los a todo instante.


São eles ( do menos ao mais desejado):


  • OS SEIS CAMINHOS INFERIORES (os que dependem das circunstâncias externas para se manifestarem e por isso não podemos dizer que as pessoas nesses estados de vida desfrutam a verdadeira liberdade ou autonomia.): Inferno ( desespero e sofrimento), Fome (desejos ilusórios) , Animalidade ( estado instintivo no qual teme-se o forte e oprime-se o fraco) , Ira (necessidade de superar e dominar outros e geralmente dissimulado por uma aparente bondade e sabedoria) , Tranquilidade (capacidade de raciocínio e de fazer julgamentos) e Alegria ( desejos satisfeitos e sofrimentos amenizados).


  • OS QUATRO NOBRES CAMINHOS: Erudição (estudos, aspiração à iluminação), Absorção (capacidade de perceber por si só a verdadeira natureza de todos os fenômenos), Bodisatwa (benevolência com que uma pessoa vence as restrições do egoísmo e dedica-se incansavelmente pelo bem-estar dos outros) e Buda (condição da mais perfeita e absoluta liberdade).


Minha busca diária é tentar permanecer em níveis mais elevados, claro ( mesmo com o estresse do trânsito, as injustiças do trabalho, a fila do banco, etc etc etc...). Só que, como todo ser humano, em alguns momentos me vejo agindo impulsivamente e entrando na mesma energia que o outro. O que me difere hoje de quem eu era há alguns anos, é saber que o universo é feito de ação e reação... portanto receonheço meus erros, pensando no meu crescimento e no bem-estar do outro também. E erro bastante ainda, mas retomo meu caminho mais rapidamente.


Eu espero, de todo meu coração, conseguir controlar isso melhor daqui pra frente. O que eu sei hoje é que vivo de um amor puro... e se alguém machuca um ser que eu amo, defendo-o com unhas e dentes, sem pestanejar. Mas sei também que é bom que eu não precise usar as unhas... nem os dentes! Bom... seja lá como for, também quero começar a ensinar meu afilhado a se defender desse mundo lá fora. Mas como fazer isso sem bloquear o que ele tem de melhor? É uma coisa a se pensar...


A gente aprende muito com a vida, mas nunca muda a nossa essência. E como já disse Clarice: “Sou sempre eu mesma mas com certeza nao serei a mesma pra sempre”.


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* Minha mãe me ensinou essa música qdo eu era pequena... não sei de onde vem, mas acho que foi a forma que ela teve de começar a me ensinar a me defender pelo mundo afora... rsrs!


** Fonte de estudos sobre princípios budistas: BSGI ( Extranet).


Pintura: Orestes perseguido pelas Fúrias", de Adolphe-William Bouguereau (1825-1905)


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