sábado, 31 de janeiro de 2009

Sobre o medo e outros "demônios"...

“... eu perdi o meu medo, o meu medo, o meu medo da chuva... pois a chuva voltando pra terra traz coisas do ar... aprendi o segredo, o segredo, o segredo da vida... vendo as pedras que choram sozinhas no mesmo lugar...” ( Raul Seixas)


O ano: 1999.

O lugar: uma ilha paradisíaca na Costa do Dendê( BA).


As pousadas estavam lotadas. Hospedados numa casinha bem modesta na vila, caminhávamos para praias mais desertas, durante o dia, por uma trilha na mata e levávamos lanternas para voltarmos à noite.


Um belo dia, esquecemos as lanternas. O sol se pôs mas ainda estávamos em pleno processo criativo. Mesmo muito cansada, sugeri que voltássemos pela própria praia, apesar do caminho ser mais longo. A idéia de andar pelo mato, noite adentro, não era a mais agradável de todas pra mim. E se algum bicho aparecesse faminto? E se alguém pisasse numa cobra?


Obviamente, fui voto vencido. O argumento de que a lua cheia iluminaria a trilha convenceu quem mais estava embarcando nessa aventura. Partimos então para a fila indiana. Com o tempo, os olhos se acostumaram com a escuridão, mas eu ainda pensava: e se uma nuvem aparecer fazendo a lua sumir do céu?


De repente, paramos. Estávamos numa clareira no meio da mata. A iluminação natural fazia com que as cores da noite tivessem um brilho nunca d’antes visto por mim. Nosso “guia” sugeriu que sentássemos ali por um tempo, para contemplarmos o céu e todas as constelações que nem imaginamos existir quando estamos nas grandes cidades. E não sei se foi aquela luz... mas aceitei, magicamente, sem nem pestanejar.


Ficamos ali em silêncio por um bom tempo. Aos poucos fui aguçando melhor os meus sentidos. Os cheiros, os sons, o contato com a terra... era como sempre tivesse feito parte daquilo ali... então, o que eu tinha a temer?


Ahhh... pode parecer estranha a comparação, mas foi como nadar nua em alto-mar pela primeira vez. Pude, então, perceber que a maior parte dos meus medos era totalmente imaginária. Eram apenas pensamentos sombrios, causados por alguma crença que impregnava meu subconsciente. Enfim... eu estava livre!


MEDO X AUTO-PRESERVAÇÃO


Lembro de quando meu pai me contou sobre uma das suas viagens à Chapada Diamantina. Ele ficava durante dias e dias caminhando, sozinho... acampando em pedras, subindo montanhas, meditando... até que um belo dia uma cobra atravessou sua trilha. Ao invés de atacá-la, ele simplesmente abriu espaço pra que ela passasse. “Aquele ali é o ambiente dela e precisei respeitar seu espaço pra que ela não se sentisse ameaçada. Por isso ela não me atacou e tranquilamente seguiu seu caminho.”, disse ele. *


É claro que não vou me jogar num ninho de cobras pra provar essa teoria. Assim como não ando sozinha por lugares perigosos, nem passo em frente de favelas em guerra ou saio de casa com todo meu dinheiro na bolsa. Não faço isso por temer uma investida contra minha integridade física, e sim, para evitá-la ( afinal, não moro no Canadá, onde poderia dormir com a porta da minha casa aberta, segundo Michael Moore *²).


Medo não é antônimo de coragem, e sim, a ausência da fé.


O medo é a explicação, por exemplo, para o ciúme, a inveja e a raiva que aparecem, às vezes, “do nada” - mesmo que tenhamos consciência da negatividade desses sentimentos. O ciúme é o medo de perder algo ou alguém que se acredita possuir. A inveja é o medo de não ser bom o suficiente para executar determinada tarefa. A raiva é o medo de se perder a si próprio. E permitir constantemente o aparecimento desses sentimentos, pode fazer com que apareçam complexos, obssessões, compulsões e até mesmo a síndrome do pânico – o mal do mundo moderno. Sabendo disso, como acalmar, então, o coração acelerado, o corpo que treme involuntariamente e a adrenalina que está a mil? A resposta é simples: auto-confiança e amor-próprio. Ponto.


Cobra, barata*³, altura, escuro, avião, fantasma, velhice, morte... não temo nada disso... porém houve uma época em que tive muito medo de me apaixonar, por exemplo. Medo do julgamento alheio. Medo de que as coisas não dessem certo. Pior. Medo de que as coisas DESSEM CERTO! Medo de ser feliz. Porque felicidade demais assustava. E ainda existiam as crenças de que “tudo que é bom dura pouco”, quem tudo quer, tudo perde” e “quanto mais alto o cavalo, maior é a queda”. Coisas que escutamos desde a infância e que se estabelecem como verdades dentro do nosso subconsciente, muito embora conscientemente brademos não acreditar em nada daquilo.


De acordo com a psicologia, tudo o que ouvimos repetidamente até os 7 anos, fica gravado em nós, como dados num disco rígido. Por isso é tão importante termos cuidado com o que dizemos pras nossas crianças. Não existe forma de deletar essa etapa. Mas isso não quer dizer que a crença não possa ser anulada. Basta querermos. Basta acreditarmos.


Segundo alguns estudos realizados, à noite, antes de dormir, nossa mente está mais “passiva” tornando o subconsciente mais receptivo às nossas determinações. Pode ser esse o momento ideal para focarmos em coisas boas determinando nosso propósito nessa vida. Outros dizem que o melhor mesmo é “endorfinar” o cérebro, clareando as idéias e estabelecendo novas crenças, dessa vez, positivas. Orações, rituais, meditação, mantras, auto-sugestão, pensamento positivo, conversas com Deus... seja lá como for, de acordo com as ligações espirituais ou com o pensamento científico de cada um, o que importa é deixar o medo de lado e dedicar-se ao que se deseja de verdade.


É o que busco hoje em dia. Desafiar os meus medos...


... e fazer boas escolhas.


Sempre.


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* O animal só ataca por dois motivos: fome ou auto-defesa. ( bem diferente de muito ser-humano por aí...)


*² No documentário “Tiros em Columbine”, Michael Moore critica a cultura do medo, incentivada pelo governo americano sob o lema de que "a melhor defesa é o ataque". A consequência disso é ter os EUA como um dos países mais violentos do mundo, contrastando imediatamente com seu vizinho, o Canadá.


*³ Sinto muito nojo de lagartixa e sapo. Tenho cá as minhas razões. (pronto, falei!)

2 comentários:

Vampira Dea disse...

Poxa! Bem legal o blog, me identifiquei,viajo muito e também lido com artes então td a ver, voltarei sempre.

*Renata Celidonio* disse...

Que bom... volte sempre que sentir vontade, Vampira Dea... seja bem-vinda!!!