segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Odó Iyá...!



“Contam que toda tristeza que tem na Bahia nasceu de uns olhos morenos molhados de mar. Não sei se é conto de areia ou se é fantasia, que a luz da candeia alumia pra gente contar.


Um dia morena enfeitada de rosas e rendas abriu seu sorriso de moça e pediu pra dançar. A noite emprestou as estrelas bordadas de prata... e as águas de Amaralina eram gotas de luar...” (Conto de Areia – Romildo Bastos e Toninho)



Tudo começou em 1924, há 85 anos, um ano bem difícil pra quem sobrevivia do que o mar oferecia... e no desespero, minha gente, o melhor negócio é partir pro lado da fé! Por isso, os pescadores - ligados ao candomblé - fizeram uma promessa à Rainha das Àguas, protetora dos navegantes. Em “troca”, os peixes voltaram a aparecer. Bom... promessa é dívida, né? Desde então, todos os anos, eles levam suas oferendas à praia em sua homenagem.


Com o passar do tempo, mais gente foi chegando... devotos, ateus, católicos, curiosos, umbandistas, turistas... e sem qualificar a origem, classe ou crença, hoje o Rio Vermelho (bairro boêmio da cidade onde se localiza a colônia de pescadores) recebe desde cedo milhares de pessoas para uma das festas de maior expressão da cultura popular da Bahia: o dia de Iemanjá.


Mãe cujos filhos são peixes”. É o que significa Iemanjá (“yeyé omo ejá”). Rainha, Princesa ou Sereia do Mar. Inaê, Mucunã, Janaína... seja lá qual for seu nome, ele está diretamente conectado à energia das águas, principalmente as salgadas ( reza a lenda que Iemanjá chorou por seus filhos que partiram, e que o mar é salgado por suas lágrimas).


Aí, vc que está lendo isso agora e não tem a menor intimidade com o assunto, pode estar se perguntando: “afinal, que fascínio é esse ela exerce sobre tanta gente? Que ligação é essa com o mar, os rituais de passagem de ano, pular as sete ondas, oferecer flores e balaios com alfazema, presentes e espelhos?”.


Vou tentar explicar, ta?


Desde os primórdios da humanidade, sempre houve a necessidade da compreensão dos fenômenos da natureza. Através da interpretação da arte rupestre, percebemos que o que não se explicava era retratado nas paredes ( já que eles não sabiam escrever). Na Idade antiga, os egípcios e os gregos personificavam seus deuses, relacionando as forças naturais aos arquétipos da personalidade humana, com seus méritos e suas falhas. O tempo foi passando. Os celtas e druidas tinham sua magia , seu deus e sua deusa. O cristianismo tinha seu Deus único, o grande Pai, o Criador... fundamento primordial da igreja católica. E paralelo a tudo isso estavam as religiões indígenas, dentro das quais as africanas se incluem. Hmmm... já entendeu?


Ok. Imagine agora o Brasil, desse “tamanhão”, com um povo sendo formado pela mistura de raças e crenças que se deu com a chegada dos portugueses, holandeses e africanos... e judeus... e alemães... e orientais... e italianos... e... e... e... ( ufa!). Todos falando a mesma língua e respeitando-se mutuamente, mesmo que não concordem com visões religiosas que não sejam as próprias. E vou além: uma das coisas mais lindas da Bahia é o sincretismo. Além do respeito, todos sabem que estão celebrando a mesma qualidade de energia, só que estabelecem nomes diferentes pra isso. Simples assim.


Por coincidência, estou em Salvador. Acordei relativamente cedo, ao som da chuva forte dessa manhã e pensei: “hmmm... com chuva, não dá pra ir...”. Aproveitei pra ficar mais um tempo na cama, fazer meu daimoku, brincar com meu afilhado e resolver coisas pendentes. A chuva passou e um tempo depois o sol apareceu com toda força, trazendo um calor insuportável de mais de 30 graus. Mas já era quase meio-dia, e ficar torrando embaixo do sol, no meio de 300 mil pessoas, realmente não estava nos meus planos. Ainda mais quando fiquei sabendo que, ao lado dos ogãs com seu batuque, ia ter um trio-elétrico com banda de axé, pagode e sei-lá-mais-o-que!!!*² É... não tem jeito, não... toda celebração vira “bagaceira” por aqui. Qualquer coisa é motivo pra “enfiar o pé na jaca”!*²


... sagrado e profano o baiano é carnaval...


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* Depoimento de Tico Santa Cruz, vocalista da banda “Detonautas”, a respeito do seu contato breve, porém íntimo, com o jeto de ser mais puro do povo baiano: http://bloglog.globo.com/blog/blog.do?act=loadSite&id=288&postId=14095&permalink=true


*² Sim, nasci em Salvador. Mas como toda regra tem exceção, essa é uma delas. E mais: detesto pimenta! (Pronto. Falei.)


Um comentário:

Lena Leite disse...

Rapazzzz vc me encontrou escondidinha aqui, penseeeee!
De fato sou um flash na internet, inda mais agora com baby,"mea culpa". Vou te ligar!
Queremos te ver...
bj