segunda-feira, 27 de abril de 2009

DE OUTRO TEMPO...

"Um dia, ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar. Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar. E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar. E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar...

E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar... com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar! Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar e cheios de ternura e graça, foram para a praça e começaram a se abraçar!!!

E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou... e foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou... e foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais... que o mundo compreendeu e o dia amanheceu em paz."
(Chico Buarque - Valsinha)


Ela é de um tempo que não este agora. Vem de um passado remoto e o oposto é o que a atrai. Dentro dos seus corpetes, vagueia por entre olhares - milhares! - em busca do tremor involuntário... e dos muitos segundos contados até o primeiro toque.

" Mão fria, coração quente" - ele disse.

Ela acreditou.

Ele soube segurá-la. Ela buscou aquecê-lo.
Descobriram-se confortados em suas solidões.

Aos poucos, ela percebeu que as horas após o encontro não careciam de conta alguma... assim viraram meses... e era o prazer. Era o sorriso. Era a transparência da clareza do que sentia. Conheceu, por fim, aquele tal de " Cupido", sobre o qual tantos poetas já haviam falado.

E juntos criaram um novo vocabulário e inventaram novas canções, novos passos e uma nova dança. Decoraram a sala imaginária, com pilastras pintadas pelos dois. Escolheram desde a louça do banheiro até o nome que dariam aos filhos. Sonharam datas.

Com mãos e pés mais aquecidos, ele se sentiu seguro para partir, esfriando aos poucos o coração. O dele.

Ela mantinha o seu coração guardado dentro de um vulcão ainda ativo, enquanto seus pés congelavam. Os dela.

O tempo passou. O calendário mudou.

Ele quebrou as taças usadas pelos dois. Ela se cortou. Ele buscou novas musas. Ela, ainda ferida, reaqueceu os próprios pés e buscou novos tremores.

Sem saber, buscavam-se.

O mundo girava cada vez mais rápido.

Ele ficou tonto com as voltas que o mundo deu e pensou em regressar, tendo o coração ainda gélido, porém novamente pulsante, nas mãos. Estava confuso, pois seus pés esfriavam a cada dia... e ainda não havia escolhido o local exato para deixar o coração bater livremente.

Ela estava satisfeita com as voltas que dava no mundo... e queria mais. Desejava viver o roteiro de um romance com "final feliz" (desses que depois de muito sofrimento o mocinho percebe que não pode viver sem a mocinha e decide atravessar oceanos, vales e montanhas só para beijá-la e dizer que o "pra sempre" é feito de "agoras").

Mas ela sabia - e ele também - que a vida não é um comercial de margarina.

Ele ouviu as batidas do relógio e tomou seu chá.
Ela ouviu o apito do trem e apertou seu espartilho.

E um dia, sem mais pensar... sem pesar... o início aconteceu.


Nenhum comentário: